Poema Versos Íntimos de Augusto dos Anjos (análise e interpretação)


Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Versos Íntimos é dos poemas mais celebrados de autoria de Augusto dos Anjos. Os versos expressam um sentimento de pessimismo e decepção em relação aos relacionamentos interpessoais.

O soneto foi escrito em 1912 e publicado no mesmo ano no único livro lançado pelo autor. Intitulado Eu, a obra foi editada quando Augusto dos Anjos tinha 28 anos.

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Análise e interpretação do poema Versos Íntimos

Este poema transmite uma visão pessimista da vida. A linguagem usada pelo autor pode ser considerada uma crítica ao parnasianismo, um movimento literário conhecido pela linguagem erudita e romantismo exacerbado.

Esta obra revela também a dualidade na vida do ser humano, indicando como tudo pode mudar, ou seja, as coisas boas podem se transformar rapidamente em coisas más.

Existe também um contraste entre o título e a realidade revelada pelo poeta, pois o título "versos íntimos" pode remeter para o romantismo, algo que não se verifica no conteúdo do poema.

Em seguida revelamos uma possível interpretação de cada estrofe:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

É mencionado o enterro da última quimera que neste caso indica o fim da esperança ou do último sonho. É transmitida a ideia que ninguém se importa com os sonhos destruídos dos outros porque as pessoas são ingratas como animais selvagens (neste caso uma feroz pantera).

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

O autor utiliza o imperativo dando o conselho que quanto mais cedo a pessoa se acostumar com a cruel e miserável realidade do mundo, será mais fácil. O Homem voltará à lama, regressará ao pó, está destinado a cair e a se sujar na lama.

Ele afirma que o Homem vive no meio de feras, de pessoas sem escrúpulos, más, sem compaixão e que por isso, ele também tem que se adaptar e ser também uma fera para viver neste mundo. Esta estrofe está de acordo com a famosa frase "O homem é o lobo do homem".

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

O poeta utiliza uma linguagem coloquial, convida o "amigo" (para quem escreveu o poema) a se preparar para traições, para a falta de consideração do próximo.

Mesmo quando temos demonstrações de amizade e de carinho como um beijo, isso é apenas o prenúncio de algo mau. Aquele que hoje é teu amigo e te ajuda, amanhã te abandonará e causará dor. A boca que beija é aquela que irá cuspir em seguida, causando dor e desilusão.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

O autor faz a sugestão de "cortar o mal pela raiz", para evitar o sofrimento no futuro. Para isso, ele deve cuspir na boca de quem o beija e apedrejar a mão que o acaricia. Isso porque, de acordo com o poeta, mais cedo ou mais tarde, as pessoas irão nos desiludir e machucar.

Estrutura do poema Versos Íntimos

Esta obra poética é classificada como um soneto, possuindo quatro estrofes - dois quartetos (4 verso cada) e dois tercetos (três versos cada).

Quanto à escansão do poema, os versos são decassílabos com rimas regulares. No soneto Augusto dos Anjos se apropria do estilo de soneto francês (ABBA/BAAB/CCD/EED), conheça abaixo a organização das rimas:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável(A)
Enterro de tua última quimera.(B)
Somente a Ingratidão — esta pantera -(B)
Foi tua companheira inseparável!(A)

Acostuma-te à lama que te espera!(B)
O Homem, que, nesta terra miserável,(A)
Mora, entre feras, sente inevitável(A)
Necessidade de também ser fera.(B)

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!(C)
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,(C)
A mão que afaga é a mesma que apedreja.(D)

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,(E)
Apedreja essa mão vil que te afaga,(E)
Escarra nessa boca que te beija!(D)

Sobre a publicação do poema

Versos íntimos faz parte do livro Eu, único título publicado pelo autor Augusto dos Anjos (1884-1914).

Eu foi lançada em 1912, no Rio de Janeiro, quando o autor tinha 28 anos e é considerada uma obra pré-modernista. O livro reúne poemas construídos com uma abordagem melancólica e, ao mesmo tempo, dura e crua.

Primeira edição do livro Eu, publicado em 1912, que abriga o soneto Versos íntimos.
Primeira edição do livro Eu, publicado em 1912, que abriga o soneto Versos íntimos.

Dois anos depois da publicação, em 1914, o poeta veio a falecer precocemente vítima de pneumonia.

O livro Eu encontra-se disponível para download gratuito em formato pdf.

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Versos Íntimos declamado

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Vários escritores consagrados elegeram Versos Íntimos com um dos 100 melhores poemas brasileiros do século XX.

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Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).