Arcadismo

Igor Alves
Revisão por Igor Alves
Professor de Língua Portuguesa

O Arcadismo foi um movimento ou estilo literário surgido na Europa no século XVIII durante o período neoclássico.

O movimento é caracterizado pela poesia pastoril, marcada pela rejeição à vida urbana e valorização da vida no campo, adoção da identidade de um pastor, que vive de maneira simples e em contato com a natureza.

A escola literária também ficou conhecida como Setecentismo porque surgiu no começo dos anos 1700. Também foi chamada de Neoclassicismo, como uma referência ao culto à antiguidade clássica (greco-romana), uma vez que o movimento retoma as tradições deste período.

watteau
O pintor francês Watteau é o grande intérprete das elites francesas do século XVIII, antes da Revolução. Cenas campestres e referências pastoris são temas recorrentes em sua obra, assim como nos textos do Arcadismo.

Origem da expressão "Arcadismo"

A expressão "arcadismo" deriva do nome de uma região grega chamada Arcádia, que, segundo a lenda, seria, em tempos remotos, habitada por pastores, ninfas e poetas.

"Arcádia" também é o título de uma novela pastoril do poeta renascentista italiano Jacopo Sanazzaro (1458 – 1530). Também nomeava as agremiações literárias onde se reuniam os poetas pastoris do século XVIII.

Os escritores do período, que ficaram conhecidos como árcades, buscavam se distanciar das fórmulas artísticas do Barroco, a escola literária anterior, caracterizada pelos excessos.

Os autores do Arcadismo costumavam assinar seus trabalhos com pseudônimos inspirados em nomes de pastores da poesia grega ou latina. Cláudio Manuel da Costa, poeta árcade brasileiro, por exemplo, assumiu a identidade pastoril Glauceste Satúrnio; Tomás Antônio Gonzaga, árcade luso-brasileiro, utilizou o pseudônimo Dirceu.

Temas do Arcadismo

Os poetas árcades escreviam sobre a beleza natural, a paz do campo e a vida simples. Costumavam criticar e desprezar a vida nos centros urbanos, pela agitação e problemas da vida moderna.

Vem dessas preferências os lemas árcades, na forma de expressões latinas, a maioria delas retiradas das obras de poetas pastoris clássicos, como o romano Horácio (65 a.C. — 8 d.C.):

  • Inutilia truncat ("cortar o inútil")
  • Fugere urbem ("fugir da cidade")
  • Locus amoenus ("lugar ameno").
  • Carpe diem ("aproveite o dia")
  • Aurea mediocritas ("simplicidade de ouro")

Características do Arcadismo

Enumeramos a seguir as principais características do Arcadismo:

  • Obras inspiradas em modelos clássicos e renascentistas.
  • Referências à mitologia.
  • Influência dos ideais iluministas.
  • Oposição ao Barroco.
  • Imitação da natureza: pastoralismo, bucolismo e busca pela simplicidade.
  • Ausência de subjetividade.

Boa parte dessas características são facilmente identificáveis no poema a seguir, de autoria do poeta Basílio da Gama (1741 – 1795):

Na idade em qu'eu brincando entre os pastores
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava
Da mesma idade e bela como as flores.

Eu com vê-la sentia mil ardores;
Ela punha-se a olhar e não falava;
Qualquer de nós podia ver que amava,
Mas quem sabia então que eram amores?

Mudar de sítio a ninfa já convinha,
Foi-se a outra ribeira; e eu naquela
Fiquei sentindo a dor que n'alma tinha.

Eu cada vez mais firme, ela mais bela;
Não se lembra ela já de que foi minha,
Eu ainda me lembro que sou dela!...

Arcadismo no Brasil

No Brasil o Arcadismo surgiu em meados do século XVIII. O contexto histórico era o auge do ciclo do ouro em Minas Gerais, período em que os pensamentos iluministas chegavam ao Brasil, divulgados, inclusive, por poetas árcades.

No Brasil, o Arcadismo teve como marco inicial a publicação de “Obras Poéticas”, de Cláudio Manuel da Costa, em 1768. A fundação da Arcádia Ultramarina em Vila Rica também foi um marco importante no Arcadismo brasileiro. A Arcádia Ultramarina era uma associação que reunia os autores árcades brasileiros.

Os principais autores do Arcadismo no Brasil

  • Cláudio Manuel da Costa.
  • Tomás Antônio Gonzaga.
  • Santa Rita Durão.
  • Basílio da Gama.

Principais obras do Arcadismo no Brasil:

  • "Caramuru", de Santa Rita Durão.
  • "O Uruguai", de Basílio da Gama.
  • "Liras de Marília de Dirceu", de Tomás Antônio Gonzaga.
  • "Cartas Chilenas", de Tomás Antônio Gonzaga.
  • "Poema Épico do Descobrimento da Bahia", de Santa Rita Durão.

Cláudio Manuel da Costa

O poeta, advogado e minerador Cláudio Manuel da Costa (1729 – 1789) foi responsável por introduzir o Arcadismo no Brasil, em 1768, com o livro "Obras poéticas".

Por ser um autor de transição de estilos, sua obra ainda mantém elementos da escola anterior à árcade, o Barroco. A presença do cultismo (jogo de palavras) em seus poemas, bem como a preferência por sonetos são exemplos dessas reminiscências barrocas.

Sua poesia pastoril, sob o pseudônimo de Glauceste Saturno (ou Saturnino), inova ao deixar de lado a apresentação da natureza greco-latina idealizada, comum entre os poetas árcades, para retratar a paisagem natural de sua terra, Minas Gerais. Ao retratar a sua paisagem local, o poeta se torna um dos primeiros escritores "nativistas" brasileiros.

Cláudio Manuel da Costa era figura proeminente em Vila Rica (atual Ouro Preto): poeta respeitado no Brasil e em Portugal, douto advogado formado em Coimbra e rico minerador. Entretanto, foi preso em 1789, acusado de participar da Inconfidência Mineira. Na prisão, teria cometido suicídio, tese bastante contestada até hoje.

Vejamos a seguir um de seus mais famosos sonetos:

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:

Não vês nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Não vês ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pálidas areias
Nas porções do riquíssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

O poeta e magistrado Tomás Antônio Gonzaga (1744 – 1802) nasceu na cidade do Porto, Portugal. Veio para o Brasil com 7 anos. Fez os primeiros estudos com os jesuítas, na Bahia. Retorna a Portugal na adolescência, e lá formou-se em Coimbra e atuou como magistrado. Retornou ao Brasil com 38 anos, na condição de Ouvidor de Vila Rica. São dessa época as "Liras de Marília de Dirceu" (1ª parte), inspiradas em Maria Joaquina Doroteia de Seixas, noiva do poeta.

Em 1789, foi preso por participar da Inconfidência Mineira. Escreve, na prisão, a segunda parte das Liras. Foi degredado para Moçambique, onde reconstrói a vida e morre.

Além das "Liras", também escreveu poesia satírica ("Cartas chilenas") e obra jurídica. ("Tratado de Direito Natural"). Ao lado de Basílio da Gama, foi o poeta mais tipicamente neoclássico da nossa poesia.

Entretanto, Gonzaga apresenta dois elementos incomuns ao Arcadismo em sua obra: a adoção da paisagem local (como Cláudio Manuel da Costa já havia feito) e a expressão dos próprios sentimentos nos poemas, antecipando, assim, elementos do Romantismo.

A seguir, apresentamos um trecho das suas famosas "Liras":

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.

Graças, Marília bela,
graças à minha estrela! [...]

Arcadismo em Portugal

O marco inicial do Arcadismo em Portugal é a fundação da Arcádia Lusitana, em 1756. Neste período, o país passava por profundas reformas institucionais promovidas pelo Marquês de Pombal.

Em Portugal, o Arcadismo teve diversos representantes notáveis: Correia Garção, Cruz e Silva, a Marquesa de Alorna e, sobretudo, Filinto Elísio. Mas o mais prestigiado, conhecido e popular dos poetas árcades portugueses é Bocage.

Bocage

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765 – 1805) nasceu na cidade de Setúbal, filho de um advogado português e da filha de um almirante francês. Com dezoito anos ingressa na Academia Real dos Guardas-Marinhas e inicia sua vida literária e boêmia. Em 1786 embarca para a Índia. Já conhecido poeta, foge para Macau, na China, onde leva uma vida acidentada, repleta de desventuras. Com o auxílio de admiradores, volta a Portugal em 1890, onde passa seus últimos tempos, até a morte, aos 40 anos.

Bocage tornou-se o poeta português mais popular da época por conta de sua poesia satírica, com linguagem muitas vezes grosseira, mas bastante divertida. No Brasil, pelo menos até o final do século XX, acabou por se tornar sinônimo de piada, anedota, num interessante processo metonímico, no qual o autor é confundido com a obra.

Além da poesia satírica, Bocage escreveu sólida obra lírica sob a égide do Arcadismo, mas com fortes tendências pré-românticas, como o predomínio da subjetividade e o egotismo.

A seguir, apresentamos um dos sonetos mais conhecidos da sua poesia lírica:

Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores,
O prado ameno de boninas veste:

Varrendo os ares o subtil Nordeste
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste;

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

Bibliografia:

  • BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira, 50ª ed. São Paulo: Cultrix, 2015.
  • SARAIVA, A. J.; LOPES, O. História da Literatura Portuguesa, 17ª ed. Porto: Porto, 2005.
  • KOTHE, Flávio R. O cânone colonial. São Paulo: Cajuína, 2020.

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Igor Alves
Revisão por Igor Alves
Educador desde 2009, professor de Língua Portuguesa licenciado pela Universidade Federal do Pará. Criador de conteúdos online desde 2021.
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