Cultura Indígena
Cultura indígena é o conjunto de valores, conhecimentos, crenças e costumes dos povos nativos do Brasil. Importante destacar que não existe uma única cultura indígena, mas uma enorme diversidade cultural representada por civilizações autônomas, com modos de pensar e agir únicos.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no Brasil 896,9 mil indígenas distribuídos em 305 etnias diferentes, que falam 274 idiomas.
Costumes dos povos indígenas
Alimentação indígena
A alimentação dos povos indígenas provém basicamente destas atividades: pesca, caça, coleta e agricultura.
A coleta é normalmente tarefa feminina. Dentre os itens coletados, há as nozes, raízes, frutas silvestres e mel.
Aves, macacos, antas, porcos-do-mato, capivaras e tatus são exemplos de animais caçados, seja por armadilhas, zarabatanas ou arco e flecha.
Para conservar a carne, os índios usam a técnica do moquém, que consiste na instalação de uma estrutura de madeira sobre a fogueira. A carne moqueada (ou defumada) é usada em diferentes receitas.
Dentre os itens tradicionalmente cultivados pelos povos indígenas, podemos destacar a mandioca e o milho. Para muitas tribos, a mandioca é a base da alimentação.
Entre os índios Tembé, do Pará, a carne moqueada é desfiada e misturada com farinha de mandioca para o preparo de bolinhos.
Entre os índios Apurinã, que vivem no vale do rio Purus, no Amazonas, o processo de cultivo e preparo da mandioca é longo e envolve toda a comunidade. O terreno é preparado pelos homens e a lavagem das raízes é uma tarefa feminina.
Com a mandioca, os Apurinã fazem beiju, farinha e uma bebida fermentada chamada caiçuma.
Em geral, existe uma divisão sexual do trabalho: mulheres realizam a coleta e cuidam da roça e os homens caçam. A caça pode ser feita individualmente ou em grupo. Quando saem para caçar, os homens podem passar dias acampando no meio da mata.
Entre os índios Yanomami, as mulheres cuidam da agricultura e da coleta e os homens caçam. 80% dos alimentos consumidos pelos povos Yanomami vêm das atividades agrícolas.
Os Caiapó, que vivem entre o Mato Grosso e o Pará, também dão muita importância à agricultura, mantendo grandes áreas de cultivo, comandadas por verdadeiros especialistas no assunto.
Apesar dessa divisão do trabalho, há algumas exceções. Algumas atividades relacionadas à agricultura são masculinas: a limpeza do mato e a preparação do terreno, por exemplo.
Religião dos povos indígenas
Se é impossível falar de uma única cultura indígena, é impossível falar de uma única religião. Cada povo indígena brasileiro tem o seu próprio sistema de crenças, com seus rituais, seus deuses e suas lendas.
Algumas das principais características das religiões dos povos indígenas é a figura do xamã – o pajé (pai’é), em tupi-guarani.
O pajé é um líder espiritual, um especialista em assuntos religiosos que, através do transe, consegue entrar em contato com os espíritos dos antepassados e seres sobrenaturais.
O pajé, portanto, é aquele que estabelece a intermediação entre a aldeia dos vivos e a “aldeia” dos espíritos, sejam estes pertencentes a pessoas ou animais.
A principal tarefa dos xamãs é a cura. Através desse trânsito entre o mundo dos vivos e a dimensão sobrenatural, o xamã consegue controlar os espíritos causadores das enfermidades, evitando inclusive a morte do paciente.
As religiões dos povos indígenas do Brasil são politeístas, cultivam muitas entidades e não há a adoração a uma única divindade. Também não há dogmas ou um conjunto de doutrinas registradas em livros sagrados, como a Bíblia.
Um traço importante da religiosidade dos povos indígenas é a crença em seres sobrenaturais ou espíritos. Essas divindades variam bastante entre as etnias. Os Yanomami, por exemplo, creem na existência de espíritos da floresta (xapiri) que moram no topo das montanhas.
Entre os Tenetehara (conhecidos, no Maranhão, como Guajajara, e no Pará, como Tembé), existe a crença tradicional nos karoara, seres sobrenaturais.
Os Tenetehara distinguem quatro tipos de espíritos:
- espíritos criadores
- espíritos das florestas
- espíritos dos mortos
- espíritos dos animais
Um importante mito tupi fala de Mahyra, espírito criador ou herói mítico ancestral. Num mundo completamente destruído por um grande incêndio, Mahyra saiu de um pé de jatobá, criou uma mulher para si (com quem teve filhos), construiu a primeira casa, cultivou a primeira plantação de milho e entregou o fogo aos homens. Assim, na mitologia tupi, Mahyra é um herói civilizador.
Entre os índios suruí, que habitam os estados de Mato Grosso e Rondônia, os karoara são espíritos negativos, responsáveis por provocar doenças e até a morte. O processo de cura, conduzido pelo xamã, consiste na retirada do karoara do corpo da pessoa enferma.
Leia mais sobre pajé, xamã e xamanismo.
Danças e rituais indígenas
Um elemento importante da cultura indígena é a dança, realizada em diversas situações sociais, como festas, rituais religiosos, celebrações ou mesmo ritos fúnebres. Nos rituais xamânicos dos povos Kaiowá e Nhandeva, por exemplo, a música e a dança ocupam uma função importante.
Entre os Araweté, há o opirahë – dança executada por simples divertimento ou como parte do ritual de preparação do cauim (bebida alcoólica feita com mandioca). No opirahë, os homens dançam em filas, ao som do chocalho. Trata-se de uma dança de guerra, em que os homens ostentam seus armamentos.
Os Cinta Larga, povo tupi que habita os estados de Mato Grosso e Roraima, fazem festas de longa duração que envolvem muita dança, comida e bebida. O anfitrião é quem providencia o prato principal (geralmente uma carne de caça) e a bebida (feita de mandioca ou milho).
Tradicionalmente, os Cinta Larga promovem essas festas por ocasião da inauguração de uma nova maloca (casa) ou para reunir os homens para a guerra.
Muitos povos indígenas das regiões Norte e Nordeste, como os Potiguara, os Pankararé e os Pankararu, mantêm uma tradição conhecida como toré.
O toré varia de aldeia para aldeia, mas geralmente consiste numa dança ritual executada em ocasiões especiais, como festas religiosas, recepções e casamentos.
A dança é realizada ao ar livre por homens e mulheres, acompanhada por instrumentos, como os maracás (chocalhos feitos com cabaças e sementes), e pelo coro dos participantes.
Dentre os povos do Alto Xingu, no Mato Grosso, podemos destacar a tradição do kuarup, uma festa de caráter religioso realizada em homenagem aos mortos. Um dos elementos do ritual é a utilização de toras de madeira para representar os espíritos das pessoas falecidas. As toras são dispostas em frente às malocas e cada uma delas é pintada com os sinais distintivos dos falecidos.
Leia mais sobre o kuarup.
Vestimentas e ornamentos indígenas
Em relação às vestimentas, é preciso chamar a atenção para a grande diferença que existe entre os povos mais inseridos na cultura do homem branco e os povos com pouco ou nenhum contato.
Segundo o IBGE, 36,2% dos indígenas brasileiros vivem em cidades. Não é difícil imaginar que muitos indígenas tenham adquirido hábitos urbanos.
Em alguns povos é comum o uso de tênis, bonés, calças jeans, mas não deixam de ser indígenas por causa disso. É o caso dos índios da aldeia Krukutu, localizada na zona sul da cidade de São Paulo. Apesar de inseridos na cultura urbana, os moradores da aldeia Krukutu mantêm suas tradições.
Há indígenas que se vestem “à maneira ocidental” no dia a dia e usam seus trajes típicos em solenidades e festas.
O vestuário indígena é bastante variado. Há povos que usam basicamente tangas e cintos. No povo Araweté, por exemplo, os homens tradicionalmente andam nus, com um cordão amarrado ao órgão sexual. Já as mulheres Araweté usam mais itens, como saia, blusa e um pano na cabeça tingido de urucum.
Os povos indígenas também usam diversos ornamentos corporais, como colares, brincos, pulseiras, cocares, adornos de cabelo, braçadeiras, alargadores labiais etc.
Há povos que se enfeitam com penas, como os Tupi. Os índios Bororo, que habitam o Mato Grosso, são conhecidos pela utilização de plumas azuis.
Dentre os inúmeros itens ornamentos usados pelos indígenas brasileiros, podemos citar o botoque, alargador labial e auricular usado tradicionalmente pelos índios Krenak (também chamados de botocudos) e pelos Caiapó.
Outro aspecto importante das culturas indígenas são as pinturas corporais. Entre os índios Xavante, as pinturas corporais são feitas por ocasião de festas e cerimônias, como o casamento. As cores utilizadas são basicamente o vermelho (urucum) e o preto (jenipapo ou carvão).
Arte indígena
A arte indígena é bastante variada e pode ser observada em diversos:
- Objetos de uso cotidiano (como a cerâmica, as armas e os cestos)
- Objetos ritualísticos (como as máscaras)
- Itens de decoração do corpo (como as plumas, as braçadeiras e os botoques)
Entre os povos do Xingu, as máscaras são usadas em rituais de caráter religioso. Os chamados "rituais de máscaras" dos índios Wauja, por exemplo, são executados com a finalidade de festejar os seres-espíritos apapaatai, para que estes possam proteger e dar força aos membros da comunidade.
A arte cerâmica indígena é um aspecto bastante importante de sua cultura material. A tradição da arte cerâmica, embora bastante variada em suas técnicas e estilos, abrange a quase totalidade das etnias indígenas. Vejamos alguns aspectos da arte cerâmica:
- A produção dos objetos de cerâmica é tarefa feminina.
- A arte cerâmica ocupa posição de destaque na cultura de um povo, podendo servir como marca de sua identidade frente à cultura de outros povos.
- Existem cerâmicas com finalidade prática (recipientes, panelas, tigelas e vasos) e cerâmicas decorativas (esculturas).
Leia sobre a arte indígena brasileira.
Ervas e plantas na cultura indígena
Muitos povos indígenas vivem das florestas, de onde obtêm a sua subsistência através da coleta, da caça, da agricultura e da pesca. As ervas e plantas representam a principal fonte de medicamentos e de cuidados com a saúde e cura de enfermidades.
Os índios são exímios conhecedores da flora e da fauna que os circundam. Além do cultivo de plantas medicinais, seus saberes botânicos são utilizados, por exemplo, para a fabricação de venenos usados na caça com a zarabatana.
O curare, por exemplo, é um dos principais venenos extraído das plantas e tradicional dos Yanomani, que vivem na Amazônia.
Plantas também são usadas com finalidade religiosa. Em cerimônias de cura, os xamãs dos povos Yanomami usam um rapé alucinógeno (yakoana) para entrar em contato com os espíritos que causam doenças e controlá-los.
Entre os Kaxinawa, que vivem no Acre, os xamãs bebem o famoso chá da ayahuasca.
Tradição oral na cultura indígena
Um aspecto fundamental das culturas dos povos indígenas é a oralidade. Tradicionalmente, o conhecimento, os costumes e os valores são transmitidos dos mais velhos para os mais novos através da fala. A escrita não era conhecida pelos povos indígenas quando os europeus chegaram aqui em 1500.
Hoje, a situação mudou. Os povos indígenas têm acesso à escrita, o que permite que se faça o registro de suas tradições, seja na língua de seus povos ou na língua portuguesa.
Ainda assim, a tradição oral se mantém como elemento essencial da cultura indígena. Numa cartilha da Comissão Pró-Índio dedicada ao ensino de história, educadores indígenas do Acre escreveram assim: "Quando morre um velho sabido é como se fosse queimada uma grande biblioteca da história do nosso povo."
A importância indígena na cultura brasileira
Mais correto do que dizer que fomos influenciados pela cultura indígena é afirmar que a cultura indígena participa da formação da identidade nacional. Em linhas gerais, a cultura brasileira é resultado da mistura de três culturas: a africana, a europeia e a indígena.
Muitos elementos da nossa cultura, mesmo que não tenhamos consciência disso, têm origem na cultura dos primeiros povos que habitaram este território que hoje chamamos de Brasil.
A herança indígena se faz notar nos nomes de bairros, ruas, cidades, estados etc. Abaeté, nome de uma cidade em Minas Gerais e de uma lagoa em Salvador, significa “homem verdadeiro” em tupi-guarani. Aracaju significa “cajueiro dos papagaios” em tupi-guarani. Curitiba, em tupi-guarani, significa “lugar do pinhão” ou “pinheiral”.
No estado de São Paulo, muitos municípios têm nomes de origem tupi, tais como Barueri, Bertioga, Botucatu, Caçapava, Arujá, Avaré e Votuporanga.
Diversos animais e plantas têm nomes indígenas, a maior parte deles originária do tronco linguístico tupi.
Dentre os animais, temos as palavras cotia, pirarucu, jabuti, capivara, baiacu, perereca, piranha, sucuri, taturana, tamanduá, tucano, jacaré, urubu, saúva etc.
Em relação a plantas, frutos e outros elementos da natureza, temos cajá, cacau, açaí, babaçu, buriti, capim, catuaba, cipó, igarapé, pitanga, jatobá, ipê, aguapé etc.
Nomes próprios, como Apoena, Janaína, Iara, Moacir e Tainá têm origem indígena.
Além da herança linguística, há muitos outros elementos da nossa cultura que vêm dos índios, tais como:
- Conhecimento de plantas e ervas medicinais, tais como a alfavaca, o boldo e a semente de sucupira.
- Certos alimentos muito utilizados pelos brasileiros, como a mandioca e o milho, são itens fundamentais da culinária indígena.
- Receitas e ingredientes típicos da culinária brasileira têm origem indígena: tapioca, pirão, mingau, açaí, pamonha, paçoca, tacacá, farinha de milho, farinha de mandioca etc.
- Utilização no dia a dia de objetos como a rede, bolsas trançadas com fibras ou outros objetos feitos de palha, como cestas.
- Lendas e personagens do folclore indígena fazem parte do imaginário nacional e foram até incorporadas pela indústria cultural. Ex.: Saci-Pererê, Boitatá, Curupira, Caipora, Iara, Uirapuru etc.
Leia sobre o folclore brasileiro e os personagens do folclore brasileiro.
Processo de aculturação e os índios isolados do Brasil
Desde o início da colonização do Brasil, em 1500, a população indígena diminuiu drasticamente. Naquela época, eram cerca de cinco milhões de nativos.
Hoje, esse número não chega a um milhão. Além da redução populacional, também houve um processo de apagamento cultural provocado pela imposição da cultura europeia.
Desde o século XVI, os costumes de vários povos indígenas sofreram inúmeras alterações em decorrência do contato com os costumes brancos.
Atualmente, há aldeias localizadas em grandes cidades, como São Paulo, onde as trocas com não-índios são cotidianas.
Por outro lado, existem os chamados "índios isolados” – grupos que vivem praticamente sem contato com a cultura do homem branco. Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), há 46 evidências e 12 confirmações de grupos isolados vivendo na floresta amazônica.
Com o avanço do desmatamento e do garimpo ilegal em áreas protegidas, o isolamento desses grupos pode estar em risco.
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